Seguindo com as entrevistas dos profissionais que atuam no Pandora Espaço de Danças, estamos publicando esta semana uma entrevista muito especial com a pesquisadora, professora, coreógrafa e mestre em cultura árabe Márcia Dib.
Fiquei muito encantada com esta entrevista, e aproveito para convidar a todos a participarem do curso que estaremos iniciando no dia 31/03/2012.
Um curso destinado ao estudo dos folclores árabes, suas características, procedências e diferenças. O curso terá duração de 4 meses, 1 sábado por mês, das 10h30 as 12h30.
ESTUDO DOS FOLCLORES – com Márcia Dib
Destinado a homens e mulheres de todos os níveis de aprendizado (31/03, 05/05, 02 e 30/06)
investimento: 4 x R$90,00 ou R$325,00 a vista.
VAGAS LIMITADAS
Inscreva-se: pandora@www.pandoradancas.com
ENTREVISTA:
PD: Márcia, como você iniciou seus estudos nas danças orientais?
MD:Já havia feito aulas de outras modalidades de dança mas, quando eu comecei a praticar a dança oriental, não quis mais parar, senti que ali estava meu lugar. Depois disso, fiz aulas com diversas professoras em São Paulo e Nova York.
PD: O que te motivou a estudar e pesquisar os folclores árabes?
MD: Quando fui estudar a dança oriental na Síria, encontrei uma riqueza inesperada: as danças folclóricas. Percebi que aquelas danças, tão variadas e bonitas, me tocavam profundamente, e decidi estudá-las mais a fundo.
PD: Qual a importância de se estudar os folclores para quem estuda a dança do ventre ou dança oriental “Raks El Sharki”?
MD: Eu não acho que uma bailarina com foco na dança do ventre deva, necessariamente, estudar as danças folclóricas. Se ela se sentir atraída e motivada, se quiser estudar realmente a origem, a motivação e a técnica das danças folclóricas, deve fazer isso! Mas se o objetivo dela for colocar alguns números de dança folclórica apenas para “incrementar” seu show (muitas vezes desrespeitando o figurino, a música e o contexto dela), acredito que deveria pensar melhor, para não usar o folclore de forma leviana. Às vezes acontece de uma aluna procurar as danças folclóricas apenas como um “enfeite” e depois se apaixonar por elas e começar a estudá-las seriamente. As danças folclóricas são maravilhosas e um universo riquíssimo em gestos, intenções e músicas. Com certeza qualquer bailarina terá seu repertório artístico e cultural ampliados ao estudá-las!
PD: Você é de descendência árabe, mais precisamente Síria, como foi para você e sua família a sua escolha em seguir o caminho das artes?
MD: Eu nunca havia ouvido uma música árabe em casa, ninguém dança, nada mesmo! Foi um gosto meu, que se desenvolveu aos poucos. No início meus pais não levaram muito a sério, mas depois, quando perceberam a minha dedicação e seriedade, assim com os resultados de meu trabalho, ficou claro que não era uma mania ou capricho, mas algo muito forte que estava acontecendo dentro de mim.
PD: No que você acha que sua descendência mais contribuiu para seus estudos e formação?
MD: Acredito que herdamos muito mais que a cor dos olhos ou algum traço de personalidade. Só quando eu fui para a Síria, soube que muitos de meus antepassados tocavam e dançavam, e minhas primas dançam maravilhosamente, nas festas da família. Eu me sentia “em casa” enquanto estava aprendendo determinadas danças; acho que isso também é herança! Sinto correr nas minhas veias um amor pela cultura árabe que me levou a abandonar duas profissões (sou formada em arquitetura e fiz teatro profissional por vários anos) e me move a ir cada vez mais fundo nesta área. Além disso, respeito muito minhas origens, e procuro estudar seriamente a cultura e suas manifestações, procurando fugir dos estereótipos e imagens distorcidas.
PD: Sabemos que você passou um período no Oriente estudando as danças e cultura árabe. Conte-nos um pouco como foi essa experiência.
MD: Como disse, a riqueza e a diversidade da danças folclóricas foram uma agradável surpresa para mim. Aos poucos, nas aulas e estágios que fiz na Síria, fui entendendo que a dança folclórica é muito forte e, quando é levada para o palco, exige ainda mais criatividade e destreza. Meu corpo foi entendendo a expressividade presente na dança de cada região. Cada lugar tem sua própria dança e música, com seu tônus muscular, sua intenção, seus gestos… É um mundo novo, enorme! Se pensarmos que cada país tem esta diversidade e riqueza, vamos ampliar a maneira como vemos as danças folclóricas e o próprio Oriente Médio.
PD: Você escreveu um livro sobre música árabe. Por que você sentiu essa necessidade e qual a importância de se ter um bom conhecimento no assunto para quem estuda as danças orientais?
MD: Eu estudei música ocidental por muitos anos, piano e canto. Cantei profissionalmente em dois grupos, gravei um CD, enfim, a música sempre esteve muito presente em minha vida. O livro é uma parte de meu mestrado, no qual discorri sobre a música e dança da Síria e, para isso, tive que aprofundar meus estudos também na música oriental. Eu já havia feito , há muitos anos atrás, aulas com Sami Bordokan, que me ajudaram muito a entender esse universo. Foram 2 anos de aulas particulares, um curso bem intensivo e focado. Aprendi muito com ele!. Depois estudei música na Síria também, além de ler bastante sobre o assunto. Achei importante escrever o livro por ainda não haver nada escrito em português sobre esta música maravilhosa e, quando fiz o mestrado, tive dificuldade em encontrar bibliografia apropriada. Por isso quis dar minha contribuição. Além disso, tenho a convicção de que, se compararmos duas bailarinas com o mesmo nível técnico, dança melhor aquela que conhece música: ela dança com mais propriedade, segurança, aproveita melhor as linhas melódicas e rítmicas, as pausas. Por todos estes motivos decidi escrever o livro.
PD: Como você vê o desenvolvimento da dança oriental e dos folclores árabes aqui no Brasil. Em quais aspectos você julga que os profissionais brasileiros deixam “a desejar” e em quais você acha que são exemplares?
MD: Por um lado, existem muitas pessoas praticando e estudando, o que é bom. Depois de um “boom” inicial, agora as pessoas têm procurado mais informações sobre a dança, a música, a cultura árabe, enfim, uma boa formação, o que é ótimo! Por outro lado, sinto que o “mercado” leva muitas pessoas a tratarem a dança simplesmente como um produto. O espetáculo de dança tem sido, muitas vezes, um “show de variedades”. As bailarinas se sentem obrigadas a ter uma novidade, a fazer o passo ou a dança da moda, a incorporar elementos mesmo que ainda não tenha muito conhecimento ou experiência. Isso me incomoda bastante, acho que empobrece algo que poderia ser muito maior e especial.
PD: Qual aspecto você julga de extrema importância para quem quer estudar os folclores de uma determinada região?
MD: Acho que o principal é ter vontade sincera de conhecer aquela manifestação cultural e artística. Um olhar atento e o pensamento aberto, sem achar que já sabe, já conhece. Cada região pode nos mostrar um mundo novo! Existem danças que partem de uma mesma motivação – por exemplo, buscar água no poço – mas se manifestam de maneira diferente em cada lugar. É aí que está a riqueza das danças folclóricas.
PD: Você também tem uma pesquisa e estudo das danças palacianas, no que elas diferem dos folclores?
MD: Ao contrário das danças folcóricas, que nascem do povo e possuem movimentos conhecidos e praticados por todos, as danças palacianas são feitas para serem mostradas para alguém, sejam nobres ou governantes, e exigem bailarinos altamente treinados, que executam movimentos amplos, graciosos, mas nem sempre orgãnicos e naturais. São danças que procuram a Perfeição, a Beleza, a Harmonia. São danças lindas e pouco conhecidas, trabalhadas sobre músicas eruditas complexas e belíssimas!
PD: Cite alguns nomes de professores e mestres que fizeram diferença na sua vida e por que.
MD: Foram muitos os que contribuíram e ainda contribuem – para minha caminhada! Desde meus professores e colegas de piano, canto, teatro, cenografia, iluminação, arquitetura, até pessoas amigas que me ajudaram – mostrando um novo jeito de ver as coisas e as pessoas – e não sabem disso. Em relação aos professores e mestres, além de Sami Bordokan que, como eu disse, abriu meus olhos, ouvidos e coração para a música árabe, devo muito aos meus professores na Síria (música árabe e danças folclóricas) e em Nova York (dança do ventre) . Aqui no Brasil, minha gratidão vai especialmente para Fadua Chuffi, com quem aprendi muito sobre a dança oriental. Eu já havia feito aulas com mais de 10 professoras, mas com ela entendi a riqueza e a seriedade de estudar essa dança com profundidade. Fiz vários anos de aulas particulares e em grupo com ela e tive uma base sólida, que me permitiu vôos mais altos. Eu devo muito também às minhas colegas, com quem aprendi bastante e sempre; e às minhas alunas, que me renovam a cada dia.
PD: Qual conselho você daria para as estudantes e profissionais que pretendem seguir a carreira profissional na dança?
MD: Acredito que a bailarina deve procurar ser sincera na sua dança, evitar seguir modismos e procurar saber o que diz seu corpo, coração e mente. Ela deve respeitar a dança que escolheu que, sendo uma dança étnica, tem aspectos culturais “embutidos” nela que devem ser estudados e levados em consideração. Deve também ter a humildade de saber que sempre é possível aprender mais, subir um pouco mais a montanha do conhecimento para ter uma vista mais ampla e conseguir olhar mais longe. Deve procurar aprender com os erros, seus e dos outros. Respeitar suas colegas e todos os que colaboram com a aula ou o show. Ver muitos espetáculos, de vários tipos de dança, ouvir muita música. Enfim, se abrir para o mundo das artes e não se deixar empobrecer, tentando caber num estereótipo imposto pelo mercado. E, finalmente, deve agradecer por danças tão bonitas existirem e enfeitarem nossas vidas!
Márcia Dib também tem um blog com artigos muito interessantes para estudo da cultura árabe, não deixe de acessar, clique aqui.
Agradecimentos mais do que especiais a Márcia por esta riquíssima entrevista!!
Quem será o nosso próximo entrevistado?? não percam!!
bjsssss
Cristina Antoniadis